Esse trecho faz parte de um artigo por Guido de
Giorgio, intitulado O Instante e a Eternidade,
publicado primeiramente em Diorama
Filosofico em 1939.
Podemos dizer que o sagrado se
distingue do profano no que é
essencialmente orientado em
direção ao passado para fixar as
etapas de uma progressão que,
necessariamente, encontra seu ponto culminante em um “presente”. Esse “presente”
é o ponto metafísico onde se lança a eternidade, onde os mundos se dissolvem em uma plenitude sem limites, uma duração sem ritmo, um êxtase sem fim. O
presente é a eternidade, o passado
é apenas um meio de conduzir, de inserir a eternidade.
Repetir, refazer todo
o ciclo realizado significa
carregar consigo a experiência
dos séculos, toda a evolução
cósmica para desvendar o quadro na pupila de
Deus.
Fausto não poderia parar o instante, porque ele sabia somente a caducidade da instância, a iridescência imediata da ilusão, a vertigem
que submerge ao invés de
transfigurar, a “sombra da carne”,
o fantasma instável e evanescente, e não aquilo que em Deus
reside numa transitoriedade infinita, que é o mistério do eterno agora. Esses são os dois aspectos do “instante”, segundo o
qual um indivíduo se coloca no plano humano ou divino; é sobre dois pontos aparentemente opostos e divergentes que caracterizam dois mundos,
dois ritmos, duas realidades, das quais uma é absoluta, verdadeira, e a outra é falaciosa e
ilusória. As palavras de Fausto
“pare, você é tão bonita!” são apenas substitutas líricas não muito
originais em face da plenitude
insondável do Inefável, onde o mistério da divina gestação
ocorre. O mito de
purificação através da estética é
apenas a ponte muito frágil
construída pela imbecilidade moderna
sobre a transitoriedade da ilusão humano-cósmica, a fim de evitar a certeza positiva
do mistério, um muro intransponível.
É por isso que o mundo moderno oscila
entre um passado morto e um
futuro nebuloso, entre o que
já não é e o que nunca
será, exceto na esperança que antecipa
e constrói. A sabedoria
tradicional, ao contrário, volta-se
para o passado e o vive, enriquecendo
e atualizando, inserindo-se
nele para trazê-lo totalmente ao presente e renová-lo na ver aeternum [eterna
primavera] a qual os antigos atribuíram
a Idade de Ouro, apontando para a
germinação perene da Verdade,
a multiplicidade de estados transfiguradores,
a vida que não conhece nascimento e
morte, por isso desenrola-se
no êxtase da consciência compreensiva. Mas, para os modernos o passado é passado, morto,
acabado, concluído, fechado, irremediável: “déjà vu le, le déjà vecu” [já visto, já
vivido], diz Bergson, de acordo
com uma orientação psicológica que
manifesta claramente todo sentimentalismo nostálgico do pequeno homem terrivelmente escravizado por seu pequeno mundo. De modo que entre um passado morto e um futuro que ainda não nasceu, o crepúsculo presente oscila, ao mesmo tempo em que o céu nublado mingua e o amanhecer empalidece;
em suma uma verdadeira
pausa de agonia. E,
a partir dessa visão errônea,
o mito do futuro é deduzido, a tensão para
o que não é, para o que nunca vai ser, porque, na realidade, só o presente, ao absorver o passado, é o ponto dinâmico,
a proa inteira da embarcação
que enfrenta o horizonte, mas nunca o atinge.
Traduzido por Trebaruna em 06/01/2013.
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