domingo, 6 de janeiro de 2013

O Mito do Futuro

Esse trecho faz parte de um artigo por Guido de Giorgio, intitulado O Instante e a Eternidade, publicado primeiramente em Diorama Filosofico em 1939.

Podemos dizer que o sagrado se distingue do profano no que é essencialmente orientado em direção ao passado para fixar as etapas de uma progressão que, necessariamente, encontra seu ponto culminante em um “presente”. Esse “presente” é o ponto metafísico onde se lança a eternidade, onde os mundos se dissolvem em uma plenitude sem limites, uma duração sem ritmo, um êxtase sem fim. O presente é a eternidade, o passado é apenas um meio de conduzir, de inserir a eternidade. Repetir, refazer todo o ciclo realizado significa carregar consigo a experiência dos séculos, toda a evolução cósmica para desvendar o quadro na pupila de Deus.

Fausto não poderia parar o instante, porque ele sabia somente a caducidade da instância, a iridescência imediata da ilusão, a vertigem que submerge ao invés de transfigurar, a “sombra da carne”, o fantasma instável e evanescente, e não aquilo que em Deus reside numa transitoriedade infinita, que é o mistério do eterno agora. Esses são os dois aspectos do “instante”, segundo o qual um indivíduo se coloca no plano humano ou divino; é sobre dois pontos aparentemente opostos e divergentes que caracterizam dois mundos, dois ritmos, duas realidades, das quais uma é absoluta, verdadeira, e a outra é falaciosa e ilusória. As palavras de Fausto “pare, você é tão bonita!” são apenas substitutas líricas não muito originais em face da plenitude insondável do Inefável, onde o mistério da divina gestação ocorre. O mito de purificação através da estética é apenas a ponte muito frágil construída pela imbecilidade moderna sobre a transitoriedade da ilusão humano-cósmica, a fim de evitar a certeza positiva do mistério, um muro intransponível.

É por isso que o mundo moderno oscila entre um passado morto e um futuro nebuloso, entre o que já não é e o que nunca será, exceto na esperança que antecipa e constrói. A sabedoria tradicional, ao contrário, volta-se para o passado e o vive, enriquecendo e atualizando, inserindo-se nele para trazê-lo totalmente ao presente e renová-lo na ver aeternum [eterna primavera] a qual os antigos atribuíram a Idade de Ouro, apontando para a germinação perene da Verdade, a multiplicidade de estados transfiguradores, a vida que não conhece nascimento e morte, por isso desenrola-se no êxtase da consciência compreensiva. Mas, para os modernos o passado é passado, morto, acabado, concluído, fechado, irremediável: déjà vu le, le déjà vecu [já visto, vivido], diz Bergson, de acordo com uma orientação psicológica que manifesta claramente todo sentimentalismo nostálgico do pequeno homem terrivelmente escravizado por seu pequeno mundo. De modo que entre um passado morto e um futuro que ainda não nasceu, o crepúsculo presente oscila, ao mesmo tempo em que o céu nublado mingua e o amanhecer empalidece; em suma uma verdadeira pausa de agonia. E, a partir dessa visão errônea, o mito do futuro é deduzido, a tensão para o que não é, para o que nunca vai ser, porque, na realidade, só o presente, ao absorver o passado, é o ponto dinâmico, a proa inteira da embarcação que enfrenta o horizonte, mas nunca o atinge.

Traduzido por Trebaruna em 06/01/2013.

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